sábado, 26 de setembro de 2009

GOLPE EM HONDURAS...

FONTE: Ivan de Carvalho (TRIBUNA DA BAHIA).

Houve um golpe de Estado em Honduras, como está assegurando o governo brasileiro, a começar pelo presidente Lula, que chama de “golpistas” os que formam o atual governo, chefiado por Micheletti? E serão esses “golpistas” um governo de “mentirosos”, como ainda ontem os xingava o assessor especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia?
Bem, a acusação de “mentirosos” lançada por Marco Aurélio Garcia, aquele que comemorou com um “top, top, top” o suposto resultado da violação ilegal e inconstitucional do sigilo bancário do caseiro Francenildo, refere-se à participação ou não do governo brasileiro na espetaculosa manobra de retorno e reingresso do ex-presidente ou presidente destituído Manuel Zelaya a Honduras e finalmente seu acolhimento na embaixada brasileira.
O governo de Micheletti acusa o governo brasileiro de ter ciência prévia dessas coisas. Zelaya e o governo brasileiro insistem que o Brasil, coitado, foi apanhado de surpresa. Pelo que se noticiou, não há dúvida da participação essencial do governo venezuelano de Hugo Chávez. Entre outras coisas, Chávez teria emprestado um avião a Zelaya. A aeronave da Venezuela pousou clandestinamente em El Salvador (violando, assim, a soberania deste país) e Zelaya prosseguiu a viagem por terra, infiltrando-se pela fronteira de Honduras e chegando finalmente à embaixada brasileira em Tegucigalpa.
Interessante é que antes disso o Brasil chamara de volta seu embaixador em Honduras, numa reação rigorosa à destituição de Zelaya, um rigor que o atual governo brasileiro não demonstrou antes em situações extremamente piores em outros países, a exemplo da ocorrência de certos fatos gravemente antidemocráticos na Venezuela e dos massacres em Darfur (200 mil mortos), no oeste do Sudão. O Brasil não só deixou de chamar seu embaixador no Sudão como assumiu, junto com países africanos, árabes, China e Cuba, posição contrária a qualquer crítica ao governo deste país e até a qualquer referência ao massacre, numa resolução da ONU.
Não sei se o governo de Micheletti mente quando acusa o governo brasileiro de haver conspirado junto com Zelaya – fazendo a antes aqui tão amaldiçoada “intromissão nos assuntos internos de outro país” –, mas parece, pelo conjunto do noticiário a respeito da crise, que há uma grande possibilidade de estar dizendo a verdade.
Agora, quanto a ter havido ou não um golpe de Estado em Honduras, Zelaya era presidente, eleito para um mandato de quatro anos. A Constituição hondurenha tem uma cláusula pétrea segundo a qual o mandato presidencial é de quatro anos, sem possibilidade de candidatura à reeleição. A mesma Constituição estipula que se um presidente tentar mudar isto já estará cometendo um delito e será imediatamente substituído no cargo.
Zelaya ia realizar um plebiscito para o eleitorado dizer se ele deveria ter o direito de se candidatar à reeleição ou não. Assim, cometeu tal delito. O Congresso hondurenho proibiu o plebiscito, o mesmo fazendo a Corte Suprema. Na véspera do plebiscito, Zelaya foi destituído, preso e expulso de Honduras. A Corte Suprema expediu mandado de prisão contra ele.
Taí. Zelaya foi vítima de golpe ou tentou dar um golpe no regime constitucional e se deu mal? Se a conclusão do leitor for pela segunda alternativa (pessoalmente, salvo novas revelações sobre o assunto, me inclino por ela), não há como fugir à conclusão de que o governo brasileiro está apoiando um ex-presidente golpista derrotado, e não, como proclama, um democrata golpeado. A comunidade americana e mundial deve buscar uma solução para a crise, mas talvez ela não deva ser a imposição que o governo brasileiro tenta – a devolução do poder a um governante que, contra a Constituição, o Congresso e a Corte Suprema, queria eternizar-se nele. Ou não liga o governo brasileiro para constituições?

Nenhum comentário:

Postar um comentário