quarta-feira, 28 de outubro de 2009

UMA REDAÇÃO LOUCA POR GRANDES TEMAS...

FONTE: JOLIVALDO FREITAS (TRIBUNA DA BAHIA).

Loucura total. Era assim o setor de redação deste jornal nos anos 70. Só tinha monstros sagrados e os mais jovens, que entravam, parece que pegavam rápido o vírus da criatividade, ou por uma questão de osmose ou quem sabe alguma coisa de espiritismo ou de santo que baixava, já chegavam num ritmo alucinante. A redação fervilhava como um formigueiro em brasa. A meta era fazer o melhor jornalismo: vencendo a censura e principalmente sem autocensura. O jornal era esteticamente bonito e já havia revolucionado o setor ao ser impresso em offset e ter coragem de colocar fotos grandes, títulos mais abusados e revolucionar o uso do lead (a abertura das reportagens – o primeiro parágrafo) e ousar no olho (o título menor acima do maior) e o super-lead (destaque em corpo maior para um parágrafo chamativo). A filosofia mesmo era colocar a cidade de cabeça para baixo, fuçando onde fosse preciso, sem medo. Reinventando.Lembro de grandes temas que participamos. Num tempo em que ecologia era uma temática embrionária, a defesa da vida já fazia parte da sua abordagem. A Tribuna encetou campanha que duraram meses e geraram dezenas de reportagens, mostrando que as fábricas localizadas na zona urbana e no entorno da Baía de Todos os Santos estavam matando. Foi assim que em defesa da ecologia e da saúde da população o jornal, mesmo remando contra todos os interesses, mesmo os seus (o pessoal do Departamento Comercial queria comer nossos fígados cada vez que uma reportagem era publicada), denunciamos que a fábrica de cigarros Souza Cruz era responsável pela asma e outras doenças respiratórias dos moradores da Cidade Baixa. Com o tempo a fábrica acabou sendo fechada.Também denunciamos que a fábrica de sabão Celeste estava acabando com a saúde do povo da Massaranduba, Uruguai e Jardim Cruzeiro. A fábrica de óleo Sanbra era o terror do subúrbio e de Itapagipe. A fábrica de chocolate Barreto de Araújo levava à loucura quando despejava seus cheiros açucarados e tóxicos no povo da Avenida Beira Mar. A Chadler ainda resistiu bastante até sair do bairro do Uruguai.Mas, as maiores vitórias das nossas campanhas elaboradas na redação e que foram executadas por brilhantes repórteres e redatores foram contra a Companhia Química do Recôncavo que com seus despejos de cloro e ácido matavam os peixes dos Tainheiros e acabava com a saúde do povo do Lobato (a empresa mudou para o Polo) e a Cobrac, que produzia prata e chumbo e jogava os restos no solo de Santo Amaro da Purificação e no rio, indo parar no mar. A Tribuna descobriu que a Baía de Todos os Santos estava contaminada. O perigo era o mesmo da Baía de Minamata, no Japão, onde pessoas tinham problemas neurológicos por causa da contaminação por mercúrio. Foi uma luta de Davi contra Golias – a Cobrac uma das maiores multinacionais -, mas vitoriosa. Muitos repórteres levaram sopapos de seguranças das empresas poluidoras na ânsia de fazer a melhor matéria possível.O jornal, por sua vez, deu exemplo. Numa época em que se entrava na redação e não se via o rosto de quem estava ao fundo, tanta era a densidade da fumaça de cigarro (o pessoal dizia que a fumaça era cortada de faca), iniciou uma campanha nacional de combate ao tabagismo, que dura até hoje. E fomos o primeiro jornal a criar um “fumódromo” na redação e o segundo em todo o mundo (o primeiro foi o The New York Times; mesmo assim eu vi, numa visita por lá, era um pedaço do banheiro). Nossa redação tinha um fumódromo chique: com ar-condicionado, exaustor e até cafezinho.Acho que num tempo em que Ibama era uma falácia e ONGs não existiam, a ecologia passou a dever um pouquinho que seja à Tribuna da Bahia. E a uma redação que era de admirável loucura. Um fazer sem cessar. Lúcida e evolutiva. Como sempre. E com grandes vitórias em seu currículo. Tudo em nome do Santo Graal que é o jornalismo.

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