quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O SUPUSITÓRIO E O CEMITÉRIO...

FONTE: França Teixeira (TRIBUNA DA BAHIA).

Os médicos são os grandes sacrificados, hoje, para a manutenção do juramento de Hipócrates. Este jurou por Apolo, por Esculápio, Higeia e Panacea, pelos deuses e deusas, conservar imaculada a sua vida e a sua arte.Cabe a eles avaliar se o cidadão deve ou não morrer nos atendimentos de emergência. Imaginem: Sobra vaga na UTI. Dois pacientes quase terminais. Um idoso. Outro jovem. O doutor escolhe qual dos dois sobreviverá. Pelas barbas do profeta! Socorro, acudam por favor...Não estou pré-julgando. O visto e lido sobre hospitais, são alarmantes, maiormente os públicos. É de fazer corar frade de pedra, transformar jegue em viado. E isto desde priscas eras, a partir da proliferação dos filhos paridos sem nenhuma responsabilidade. Na juventude quando a violência começou a tomar conta, tinha fetiche: namorava na porta da Ordem Terceira de São Francisco em Quintas. Ingressávamos meia-noite no Cemitério escuro e adormecido. Qual não foi a surpresa: lá estava outro grupo, vestiam branco. Lua cheia, linda, eram adeptos do silêncio. Faziam parte da seita, denominada “Amigos e Adoradores dos Mortos”. Dentre eles, médica. Tornou-se minha amiga por algum tempo. Está casada, avó de netos, vive confortavelmente em Sampa. Estagiava na Tsila. Fui vê-la atender mulheres urrando de dor. Ali passei a admirar bem mais as mulheres. Ficava estarrecido com os gritos ouvidos durante as contrações. A consulente falava “Necessitam de cesariana”, só se fosse Cesaria e Ana, as duas trapezistas do Circo Garcia. Tinham de parir, naturalmente, sofrendo a frio. Sangue e suor. Anestesia jamé. Os médicos doidos para resolver aquele terror. Saia dalí convencido: melhor a PAZ dos cemitérios, sem velórios ou “sentinelas”. Agonias e angústias das maternidades públicas, jurei, NUNCA!Claro, companhias femininas, quando viam parar o fusca no largo, deviam dizer “esse cara é espiroqueta”. As convencia, diferenciado, seguro e tranquilo era não assistir perigosas corridas de submarinos no Jardim dos Namorados, onde assaltos, mulheres violentadas e até assassinatos já aconteciam. Não tínhamos motel e o quebra-galho, desafogar o ganso, era na rua mesmo. A paz celestial de Quintas, escafedeu-se. Ficou meio lúgubre não? Espantei? O fetiche acabou. Senão a chefa me dá porrada...Gozador, cirurgião, eleitor de Otto Alencar. Consultório, hospital particular, público, o diabo. Para viver gostoso, sorrí. Nem parece caminhar já nos setenta. Contou-me: Paciente na UTI, carecendo cuidados especiais. Chovia à cântaros. Cliente entubado, quase uma hora da madrugada. Avisa à Madre Superiora, vai dar saltinho em casa. Morava longe, entre Itapuã e Patamares, voltaria logo. Ainda não chegou, toca o telefone “O homem piorou”. Retorna, correndo os riscos da madrugada chuvosa e fria. Molha-se todo. Estaciona na rua. Sobe as escadas até o quinto andar correndo. Elevador pifado. No corredor encontra a Irmã de Caridade aflita. Esbaforido, pergunta: “E o homem?” Ela responde: “Coitado, acabou de morrer”, e abrindo a mão “O que faço agora deste supositório, doutor?”... Vinícius cantava, ponto de macumba: Na tonga da milonga do cabuleté...

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