segunda-feira, 29 de março de 2010

SALVADOR ME TIRA DO SÉRIO...

FONTE: Jolivaldo Freitas (TRIBUNA DA BAHIA).

Salvador deve ter amanhecido nesta data querida de muitos anos de vida com chuva na cacunda caso não tenha falhado mais uma vez as previsões meteorológicas. Entretanto, como esta cidade gosta demais de nos causar surpresas, é bem possível que esteja um sol de lascar; e o chato disso é que não tem mais feriado municipal e ninguém pode ir para a praia, a não ser funcionário público ou dono de cartório, profissionais que fazem o que querem da vida sem dar satisfação a ninguém, coisa que morro de inveja.
Encontrei o barnabé Edgar Bastos, famoso “Pau de Rola”, por estar sempre envolvido em merda - seja dívida com a Losango ou com Zequinha, barraqueiro do Porto da Lenha, lá no Bonfim, ou correndo de maridos raivosos, já que não pode ver um rabo-de-saia, se é que mulher ainda usa saia depois do advento do jeans. Pau de Rola tinha a fama de não rejeitar nenhum tipo de mulher. Gorda, magra, bonita, feia, capenga, maluca, com dente ou com praca. E tem na ponta da língua a explicação de que Deus deu para as mulheres os elementos certos, nos lugares certos para fazer agitar a química do homem e que ele não vai na estética: mira o objeto.
Mas, desta vez ele estava triste, e nem gargalhou, como sempre fazia quando eu repetia a velha história do dia em que ele pegou uma lotação na Praça Cairu, em direção à Linha 18 - que passava pelo Largo de Roma - e lá entrou dona Cicinha, ainda com seus 20 anos de idade. Morena clara de cabelos negros e ancas largas, tetuda, muito cobiçada pelos marmanjos da Cidade Baixa.
Tão amada que causava frisson no pessoal da famosa APA (Associação dos Punhe... Aquáticos) que faziam fila dentro d´água do mar da Boa Viagem, parecendo crocodilos com seus olhos sobre as ondas, esperando a hora de a moça tirar a saída de praia. Pau de Rola entrou no lotação e sentou na janela. Cicinha sentou ao lado e ele começou a bater perna.
Numa curva acentuada se jogava todo na coxa da moça. Numa freada brusca roçava como se fosse lixa. Perto da Calçada entra no veículo Paulo Maromba. Irmão da moça. Cara imenso feito de feixes de músculo. Cicinha levanta e fala algo em seu ouvido. Ele senta ao lado de Pau de Rola e diz para todo mundo ouvir:
- Você estava roçando em minha irmã. Vai ter de casar. Vai direto daqui para falar com meu pai.Como reagir, ainda mais que o pai de Cicinha era o famoso pugilista Zé de Tonha, que nunca perdeu uma contenda contra famosos lutadores do Uruguai, Maçaranduba, Ribeira e Liberdade, tendo inclusive ganhado de W.O para o famoso Santana . Não deu outra e Pau de Rola casou, causando inveja a todos os marmanjos da região. O sogro arrumou emprego para ele no serviço público, coisa que até hoje só vai para colocar o paletó e sair de fininho para a vida lá fora, como se ninguém soubesse.
Mas, hoje, ele diz que prefere até trabalhar para o contribuinte. Não consegue mais andar pelas ruas da cidade, com medo dos pivetes e dos motoqueiros que assaltam e matam. Não dá para ir ao cinema por causa dos engarrafamentos e nem se pode parar para bater um papo com algum desconhecido, como se fazia antigamente e de onde saíam boas amizades, pois as pessoas estão com pressa ou são mal-educadas, ainda mais com os antigos.
Também não pode andar a esmo, pois tem medo do pessoal que fica fumando crack em tudo que é beco e viela ou mesmo em avenidas movimentadas. E cheio de saudade, com olhar perdido lembra que na sua juventude o máximo de se drogar era tomar cuba-libre até vomitar.
Perguntei por dona Cicinha. Ele me disse que ela está bem. Continua bonita, mas deu para evangélica. Só pensa em culto e pegar o dízimo escondido da sua carteira para dar a um pastor. Cochichou que está desconfiado:
- Você lembra que dona Alzira, mão dela, era chamego do padre Osório Bacralle, da igreja do Mont Serrat? Os tempos mudam, mas os genes ficam – disse preocupado.
E fomos pegar engarrafamento nesta cidade moderna. Cada um para seu lado. Salvador me tira do sério. Também..., hoje quase tudo me tira do sério.

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