quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A ÁRVORE E A FLORESTA...

FONTE: IVAN DE CARVALHO, TRIBUNA DA BAHIA.

A informação de que o número de câmeras de vigilância nas ruas de Salvador será elevado pela prefeitura de 22 para 46 vem quase como que de rotina, uma coisa que não merece maior destaque, muito menos chegar às manchetes. A todo o momento, iniciativas semelhantes são tomadas em quase todo o mundo, seja em nome da segurança, digamos, comum, seja em nome da prevenção contra atos de terrorismo.

A outra razão para o pouco interesse público e da mídia a respeito é a raridade de análises, na mídia, sobre o conjunto do fenômeno. Registra-se, por exemplo, um acréscimo de 24 câmaras às que a prefeitura já tem e ponto final. Não se considera que este fato é apenas uma gota de água no oceano que se alastra.
Em verdade, a multiplicação de câmeras de vigilância nas ruas e também em espaços públicos internos, a exemplo de aeroportos, estações de metrô e muitos outros, em todo o mundo, deve ser somada à profusão de câmeras em recintos privados de uso público, como, entre outros, casas comerciais e agências bancárias. Também em áreas de uso comum de condomínios residenciais e até nas áreas externas e algumas áreas internas de casas residenciais.

Já assinalei neste espaço a impressionante informação de que um londrino é, em média, filmado 300 vezes por dia. E isso é só uma ponta do iceberg, porque o monitoramento das pessoas vem acontecendo também de várias outras formas. Bastaria dar uma olhada retroativa às conclusões da CPI do Grampo da Câmara dos Deputados (da qual o deputado Nelson Pelegrino, do PT da Bahia, foi o relator) para se ter uma boa ideia do número absurdo de escutas telefônicas autorizadas judicialmente.

Frequentemente sem atender aos requisitos legais (inclusive seu uso apenas como último recurso para obtenção de provas e com rigorosa limitação na amplitude e no tempo), as escutas estão sendo generosamente autorizadas. Não disse com “liberalidade”, porque este é um meio de investigação que nada tem de liberal, já que é um cerceamento legal de direitos e garantias individuais.

E há ainda que considerar as escutas telefônicas criminosas (sem autorização judicial), bastante comuns, as invasões nos sigilos bancário e fiscal, a espionagem eletrônica nos computadores, que implicam em quebra do sigilo de correspondência eletrônica e da privacidade em geral. A tela do computador está cada vez mais realizando a profética “teletela” prevista por George Orwell no romance “1984”. Uma tela que o cidadão vê e pela qual é visto, espionado.

Para completar o quadro do monitoramento do indivíduo pelo Estado e/ou por organizações privadas, está emergindo em nossa civilização o homem chipado. Monitorado por chips. Não somente os dos computadores e dos telefones celulares e sucedâneos. Mas os chips de cartões bancários, cartões de crédito, os chips de rastreamento colocados em veículos (há norma legal na forma de uma tão simples quanto absurda resolução do Conselho Nacional de Trânsito tornando isso obrigatório no Brasil) e, crescentemente, em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, colocados nas pessoas.

Acréscimo de pouco mais de duas dezenas de câmeras da prefeitura nas ruas de Salvador. Nada importante, se olhada apenas a árvore. Mas se observada a floresta, creio que se verá o suficiente para sentir arrepios.

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