domingo, 23 de novembro de 2014

PODE FALTAR CHOCOLATE NO MUNDO, E CIENTISTAS TENTAM MELHORAR CACAU...

FONTE: , Mark Schatzker (economia.uol.com.br).
14 de novembro (Bloomberg) -- Marque a data no calendário: 1 de janeiro de 2020.

Até essa data, a diferença entre a quantidade de cacau que o mundo deseja consumir e a quantidade que pode produzir vai aumentar para um milhão de toneladas, segundo a maior fabricante de chocolate do mundo. Para 2030, a previsão é que falte 2 milhões de toneladas. E assim por diante.

Devido a doenças, secas, mercados novos e ávidos, e à substituição do cacau por safras mais produtivas, como o milho e a borracha, espera-se que a diferença entre oferta e procura aumente um milhão de toneladas por década no futuro.

Agora mesmo, enquanto você lê estas palavras, o mundo está ficando sem chocolate, segundo a revista "Bloomberg Pursuits".

No ano passado, voltamos a consumir mais cacau do que conseguimos produzir. Neste ano, apesar de uma colheita inesperadamente farta, a oferta mal conseguiu acompanhar a crescente alta da procura.

Entre 1993 e 2007, a média de preços do cacau foi de US$ 1.465 por tonelada; durante os seis anos seguintes, a média foi de US$ 2.736 --um aumento de 87%.

O alimento mais delicioso do mundo começou a se transformar, passando de muito adorado e muito comum, como a cerveja, para muito adorado e bem menos comum, como o vinho de Bordeaux. Infelizmente, esse é o menor dos problemas do doce.

Há esforços em andamento para tornar o chocolate mais barato e abundante --e nesse processo, o chocolate está se tornando menos saboroso, como aconteceu com os tomates, o frango e os morangos.

Com praga na Bahia, Brasil perdeu a liderança.

Os amantes do chocolate mal param para pensar que o cacau poderia ser um recurso esgotável. Aqueles que param geralmente supõem que a maior ameaça é a mudança do clima, que realmente deve trazer consequências negativas e graves.

Segundo um relatório preparado pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical para a Fundação Bill & Melinda Gates, em Gana e na Costa do Marfim --que juntos produzem 53% do cacau do mundo-- as temperaturas subirão até 2ºC até 2050, intensificando a temporada seca e causando escassez de água. O resultado, afirma o relatório, é que "as áreas de cultivo de cacau diminuirão seriamente".

Independentemente do seu potencial catastrófico, a ameaça das secas não se compara com a das doenças. Uma doença fúngica chamada monilíase colonizou a Costa Rica em apenas dois anos. Em 1989, a vassoura de bruxa, outra doença devastadora causada por um fungo, se infiltrou no Estado brasileiro de Bahia, uma potência cacaueira cujos rendimentos foram desmoronando progressivamente, caindo para menos da metade em uma década, de 300 mil toneladas para 130 mil toneladas por ano.

Antes da vassoura de bruxa, o Brasil era o segundo maior exportador de cacau. Hoje, é importador líquido. Nem a monilíase nem a vassoura de bruxa chegaram ainda até a África --a líder indisputada no cultivo de cacau, responsável por 70% da produção do planeta-- mas Mark Guiltinan, um biólogo molecular especialista em cacau da Universidade Estadual da Pensilvânia, acredita que é uma questão de tempo.

Nos países em desenvolvimento, consumo aumenta.

Secas e doenças ameaçam dizimar as plantações de cacau no mundo inteiro, ao passo que seu consumo está apenas começando uma trajetória de alta. Em 2010, segundo a Organização Internacional do Cacau, os chineses ingeriram 40 mil toneladas de cacau; neste ano, o apetite do país quase dobrará, para 70 mil.

Apesar da devastação provocada pela vassoura de bruxa, até mesmo o Brasil aumentou seu consumo de chocolate, de 161 mil toneladas em 2010 para 198 mil neste ano. À medida que os países em desenvolvimento se fortalecem, o mesmo acontece com seu apetite por chocolate.

Ninguém se preocupa mais com o sabor do que um avô mórmon de Hanover, Pensilvânia, chamado Ed Seguine, que possui um dos paladares mais sensíveis e procurados do setor. Nos seus 31 anos de carreira como consultor, ele consumiu umas 300 mil amostras de chocolate e está tão preocupado com a potencial erosão do sabor que dedicou o restante da sua carreira a impedi-la. Ele provou a nova cepa mais renomeada do Equador, a CCN51, e descreve seu sabor como "sujeira ácida".

Safra lucrativa.

Se há esperança para o sabor do chocolate, está sendo cultivada a 33 quilômetros ao sudeste de Upala, Costa Rica, onde um fazendeiro chamado José Gerardo Ramírez derrubou sete hectares de abacaxis para plantar uma safra bem mais lucrativa: cacau de alto rendimento desenvolvido por uma organização de pesquisa agrícola chamada Centro Agronómico Tropical de Investigación y Enseñanza (Catie).

Em um laboratório na sede da Catie na Costa Rica, um vasto campus rodeado de montanhas vulcânicas com camadas de névoa, Wilbert Phillips-Mora --um dos maiores especialistas na doença monilíase do mundo-- e eu sentamos frente a retângulos aparentemente idênticos de chocolate amargo.
Na boca, no entanto, cada um conta uma história muito diferente. A barra feita de cacau da cepa R-1 tem sabor de fruta e um pronunciado gosto de chocolate. A R-4 tem menos gosto de fruta e é mais ácida, mas continua sendo agradável. O mais perto que a Catie chegou de criar uma supervariedade é a R-6 --a produtora mais eficaz, com a maior resistência à monilíase. Seu sabor, conforme observou o Salon du Chocolat em Paris, tem gosto de nozes e consistência lenhosa, com toques de fruta. Phillips-Mora pega citros. O meu é de passas.

A seguir, degustamos um chocolate ganês enviado por Seguine da Pensilvânia. A diferença é impressionante. A variante costarriquenha tem um complexo sabor de fruta, mas a ganesa é uma profunda erupção de chocolate. 

Em perigo.

Essa grande e etérea explosão de chocolate corre perigo --e no momento, pelo menos, não há nada que Phillips-Mora possa fazer a respeito.

Muitas das variedades mais amadas de chocolate, explica Seguine, são um caldo geográfico de diferentes variedades. Assim como os vinicultores do vinho de Bordeaux misturam cabernet sauvignon, merlot e outras uvas para modelar seus excelentes vinhos tintos, os fabricantes de chocolate fusionam diversos cacaus.

O cacau da América, que frequentemente é floral e com sabor de fruta, pode ser cativante em uma barra de chocolate amargo de origem única, porém, adverte Seguine, pode resultar poderoso demais para um bolo. Uma mistura ideal, ele explica, pode ter uma base de chocolate da África Ocidental, com 30% da melhor cepa do Equador. O resultado, diz ele, é uma "tremenda profundidade de sabor".

Em outras palavras, a África não somente é essencial para a produção de chocolate, mas também para sua qualidade. E infelizmente, não é possível plantar as novas variedades da Catie no continente inteiro.

Por um lado, na África há doenças que as árvores da Catie não estão desenhadas para resistir. Mais importante, a África possui suas próprias variedades distintivas de cacau, que desempenham um papel essencial nos perfis de sabor característicos do continente. Se o sabor do chocolate africano mudar, então também mudará o sabor de muitas das misturas mais amadas pelo mundo.

Mas há uma luz no final do túnel da África. Após décadas de preocupação com a resistência a doenças, o setor de cacau da África finalmente está começando a levar o sabor a sério. A TCHO Chocolate, de Berkeley, Califórnia, que montou nove instalações na América do Sul para ensinar cacaueiros a cultivar para obter sabor, abriu seu primeiro laboratório na África em 2013, em parceria com o Instituto de Pesquisa sobre Cacau de Gana.

"Agora fazemos ligações por Skype com os cacaueiros para falar em como deveria ser o sabor do chocolate", diz Brad Kintzer, o chamado chefe de chocolate da TCHO.


É a imagem de um futuro mais saboroso. A Costa Rica, que produz menos de 1% do cacau do mundo, mostrou o caminho adiante. A África, pedra angular do cacau, seguirá seus passos? O futuro do chocolate depende disso.

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